A presença da Libras nos espaços comuns

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a segunda língua oficial brasileira. Mas qual será, de fato, sua presença em nossa sociedade?

É fundamental que a Libras, enquanto forma de comunicação e meio de expressão, seja cada vez mais difundida e obrigatória, tanto em meios presenciais quanto em virtuais. A presença de intérpretes em eventos, de tradutores automáticos em páginas da web e da janela da língua em produções audiovisuais, além de contribuir com uma proposta de comunicação para todos, registra um convite importante à participação de pessoas com deficiência auditiva ou surdez, grupo historicamente excluído da sociedade. Mas será que é suficiente?

Para pensar sobre essa pergunta, é importante considerar que processos e recursos que potencializam a autonomia e a inclusão de pessoas com deficiência e, portanto, contribuem para uma sociedade mais inclusiva, justa e democrática, beneficiam outras pessoas também. Assim, a comunicação acessível, bem como os ambientes acessíveis, facilitam a vida e possibilitam o exercício da cidadania de outras pessoas, não apenas das com deficiência.

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Assim, pensar que acessibilidade só tem a ver com as pessoas com deficiência ou tentar impor às pessoas surdas meios de comunicação e linguagem exclusivamente oralizados, corresponde ao modelo da integração — um dos quatro paradigmas a partir dos quais as pessoas com deficiência podem ser compreendidas, atendidas e nominadas de acordo com a cultura do respectivo contexto histórico. A integração se caracteriza pela existência de uma norma estabelecida como referência condicionante para a plena participação na sociedade.

Assim, a partir desse paradigma, pessoas com deficiência estariam necessariamente excluídas ou, no mínimo, em desvantagem em relação às demais. No caso das pessoas com deficiência auditiva ou surdez, a perspectiva integrativa tenderia, por exemplo, a fazer de tudo para induzir o uso da língua materna, do respectivo país, de forma oralizada.

Atualmente, a partir da legislação vigente, pautada na perspectiva inclusiva, é concedida a esse público a liberdade para se expressar e fazer uso da língua que preferir ou lhe aprouver. É preciso considerar, no entanto, que os paradigmas mencionados não são estanques no tempo nem desaparecem quando superados no contexto das leis e normativas. Ainda hoje é bastante comum encontrar espaços e ambientes com vestígios da perspectiva integrativa na forma de pensar e entender as pessoas com deficiência. Entre eles, escolas.

A Libras na escola

Apesar da Lei nº 10.436 de 24/2002 instituir a obrigatoriedade do ensino da Língua brasileira de sinais nos cursos de ensino superior de pedagogia e licenciaturas, um levantamento feito em 2013, mostra que apenas 7 das 59 universidades federais oferecem algum curso de graduação em Libras ou têm a língua em algum curso superior. Essa lacuna no preparo de educadores alimenta uma falha grave no processo de inclusão de estudantes no ensino básico e, assim, o ciclo de invisibilidade se retroalimenta.

E é justamente por isso que o uso difundido e institucionalizado da Libras se faz necessário para a inclusão genuína das pessoas surdas. Destaco o termo genuína porque, muitas vezes, a presença do intérprete na sala de aula, por exemplo, não só não é suficiente como acaba por limitar a comunicação da turma e do professor com o estudante surdo, gerando uma situação de dependência e manente intermediação. Há inúmeros relatos de professores que, dispostos a lidar com as situações em sala de aula, manifestam o desejo de, não só se comunicar, mas, sobretudo, criar vínculos com seus alunos, orientá-los, acolhê-los, a partir de uma relação direta, independente do intérprete. Por isso, é necessário e oportuno que a aprendizagem da língua de sinais seja difundida para toda a equipe (docente e não docente) e todos os alunos. Afinal, uma escola inclusiva se faz em todos os espaços, inclusive no pátio e na quadra, onde o intérprete não costuma estar presente.

A mesma lógica se aplica a outros contextos, para além do escolar. Vincular e restringir a comunicação de pessoas com deficiência auditiva e surdez a um intérprete pode inibir, quando não impedir, sua plena participação. É por isso que o uso da Língua brasileira de sinais em peças de teatro, salas de cinema e páginas da web para o público em geral é fundamental como ponto de partida para a difusão dessa língua. Mas é preciso ir além.

Desenho universal: ampliando a participação

Nesse sentido, uma ideia que nasceu na arquitetura pode nos ajudar. Oriundo de arquitetos incomodados com a perda estética das construções que passavam por reformas que viabilizassem a acessibilidade, o Desenho universal desponta com o desafio de conceber projetos capazes de possibilitar o uso e o acesso pelo maior número de pessoas possíveis considerando a maior diversidade de usuários (crianças, idosos, pessoas baixas, altas, com e sem deficiência, com dificuldade de locomoção etc.). A ideia é evitar “remendos” ou alternativas para usuários específicos.

O desenho (ou design) universal é norteado por sete princípios:

  1. Igualitário: uso equiparável (para pessoas com diferentes capacidades);
  2. Adaptável: uso flexível (com leque amplo de preferências e habilidades);
  3. Óbvio: simples e intuitivo (fácil de entender);
  4. Conhecido: informação perceptível (comunica eficazmente a informação necessária);
  5. Seguro: tolerante ao erro (que diminui riscos de ações involuntárias);
  6. Sem esforço: com pouca exigência de esforço físico;
  7. Abrangente: tamanho e espaço para o acesso e o uso.

Na arquitetura, por exemplo, uma entrada ou rota deve ser planejada de modo a servir ao maior número de pessoas possível. Ou na comunicação, um vídeo deve ser concebido de forma a contemplar o maior número de usuários possível sem o uso de versões alternativas. Os recursos de acessibilidade audiovisual como, por exemplo, a janela de Libras, a audiodescrição e a legenda, são, hoje, os principais meios de propiciar igualdade de acesso às pessoas com deficiência em uma mesma versão.

E, para além da inclusão de um grupo específico, possibilitam uma experiência diferente e mais abrangente a qualquer telespectador. Mas, para além de recursos “anexos” à versão original, somos provocados a pensar se é possível ir além e repensar a própria forma de conduzir a narrativa a partir destes recursos de acessibilidade. Foi o caso do vídeo utilizado pelo Edital VIDEOCAMP 2018, cujo tema foi educação inclusiva. Nele, o intérprete, além de compartilhar o cenário com a narradora, interage e em muitas passagens, torna-se personagem central da narrativa. Assista:
É tempo não só de eliminar barreiras, mas de ultrapassar fronteiras no que diz respeito à construção de espaços e ambientes verdadeiramente inclusivos e democráticos – para todos.


Alexandre Moreira é licenciado em Educomunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Atua na área de formação do Instituto Rodrigo Mendes (IRM).

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