Diversidade na educação: só tema bonito ou imprescindível?

Passei a maior parte da infância numa cidadezinha do interior chamada Cardoso Moreira. Minha família era muito querida da cidade. Eu estudava numa escola particular. Tinha amigos e amigas lá. No meu bairro e na igreja que eu frequentava havia crianças de escolas públicas, que eram minhas amigas também. Minha irmã mais velha, casada, morava na cidade do Rio de Janeiro e de tempos em tempos íamos visitá-la. Minha mãe nunca me proibiu de brincar com meninos. De ter amizade com pessoas de religiões diferentes. Tínhamos uma situação econômica simples. Tínhamos amigos em situação econômica inferior e bem superior à nossa e isso nunca se mostrou uma questão.

Janine criança com fantasia caipira amarela posa para foto segurando placa com o texto "Ciranda Cirandinha". Fim da descrição.
Janine desfila em Cardoso Moreira, cidade de sua infância. Fonte: arquivo pessoal.

Sempre adorei filmes. Minha mãe não. Ela dorme no meio ou muda de canal. Eu cantava maculelê na escola e em casa, cantigas de roda, músicas da igreja e muito pop nacional. Em Cardoso brincava de pé no chão, subia em árvores, andava de bicicleta, assistia a filmes a céu aberto na praça principal. No Rio de Janeiro, cidade grande, adorava ir aos museus e pensar como eram aqueles tempos retratados pelas exposições. Ia à praia. Adorava “fast food”. E sei lá por que um dos meus sonhos era ter uma calculadora.

Naquela época eu não pensava diretamente sobre a diversidade, mas hoje vejo como ela sempre esteve presente em todas as áreas da minha vida e como isso foi bom. É bom.

O que pensamos sobre a diversidade?

Quando falamos sobre diversidade muitas coisas vêm a nossa cabeça. Diversidade estética, cultural, religiosa, social, econômica. Muitas vezes a diversidade é colocada como pura e simplesmente “politicamente correta’’. Mas a diversidade está para além disso. A inexistência dela impossibilita a legitimidade da equidade.

Janine apresenta livro de sua autoria. Fim da descrição.
Janine é escritora e aborda a diversidade. Foto: Rodrigo Pessoa. Fonte: arquivo pessoal.

Elementos que se relacionam com o que há de mais humano em nós (habilidades emocionais) já têm sua importância reconhecida nas mais amplas áreas de estudos. É válido dominar uma técnica e não ter empatia? É inteligente ter numa equipe alguém que resolve situações específicas mas que não sabe conviver e por isso acaba gerando um ambiente tóxico para os demais? É válido uma escola com ótima infraestrutura, equipamentos de ponta, mas sem vínculos de afeto com os estudantes e professores?

Diversidade na educação

Analisando especificamente a escola gostaria de destacar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dentre as dez competências gerais apresenta a maioria destas diretamente relacionadas às habilidades socioemocionais.

Importante também é o que nos apresenta os pilares da UNESCO, que de um modo muito objetivo e afetuoso fala sobre a necessidade do saber conviver, saber criticar, saber comunicar e saber criar.

Grupo de crianças sentadas no chão demonstra empolgação ao ouvir história. Fim da descrição.

Eis o nosso grande desafio: compreender que a educação de qualidade, necessariamente pautada nas habilidades socioemocionais, não está a cargo da escola. Não estão a cargo da família. Não está a cargo das instituições, grupos políticos, coletivos, ONG… Essa educação, que é de fato uma educação de qualidade em seu sentido mais amplo, está a cargo de todos nós. Porque somos o que somos também por influência do meio em que vivemos. Convivemos.

Preciso do outro para que a qualidade da educação seja efetiva. O criar também se relaciona com o outro: crio pra quem? Por quê? De onde e para onde? E se eu acho o que eu acho, qual minha referência? O outro. E tudo isso não acontece em um único núcleo. Não acontece só na rua, só no bairro, só na escola, só na cidade, só dentro de casa.

Chegamos enfim ao reconhecimento de que educar é relacionar-se de maneira íntima com aquilo que nos faz humano. Com aquilo que esperamos da humanidade. Precisamos viver o discurso. Não há mais espaço para os comportamentos “fake’’.

Não há diferença sem referência

A diversidade respeitada, com o devido reconhecimento de sua riqueza, nos ensina muito. Há uma diferença em saber conviver com o diferente, saber se comunicar, criticar e criar o diferente e saber conviver com o diferente de nós, se comunicar, criticar e criar o diferente de nós. Esse “nós’’ faz muita diferença. Porque o uso desse “nós’’ indica que reconhecemos que a referência para uma dada situação somos nós. Afinal, o que é diferente? Não há diferença sem referência.

Janine folheia livro. Em sua frente, uma criança a observa. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Eu não respeito a sua diferença. Eu respeito a sua diferença de mim. E você precisa respeitar a minha diferença de você. Porque na verdade não somos diferentes a não ser que tenhamos um referencial.

Quando entendemos isso pensamos como são formados os processos identitários? Em um único referencial? Sim. Na maioria das vezes, sim. E com um único referencial (do que é bonito, do que é bom, do que é certo, do que é “santo’’) é difícil conviver e é difícil esperar que nossas crianças aprendam a conviver. Não há respeito nesse tipo de relação.

Isso aprofunda a importância da diversidade. Rica. Potente. Bonita. Real. Respeitar a diversidade, reconhecer seu valor é acreditar e exercer a educação verdadeira, baseada no respeito, no afeto, no que há de mais humano.


Janine Rodrigues é escritora de literatura infantojuvenil e educadora, fundadora da Piraporiando – Editora de Arte-educação, cujas obras literárias originam projetos focados na diversidade para uma educação antirracista, antibullying e sem preconceitos.

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