A relação entre evasão escolar e acessibilidade ambiental

Parece haver certo consenso entre os muitos artigos e estudos em educação de que a evasão escolar é consequência de um ou mais fatores, internos e externos ao ambiente escolar. Segundo a especialista no tema, Olindáurea Saraiva Chieppe:

Muitos acusam o Estado pela omissão nas políticas públicas voltadas para o problema da evasão escolar; outros alegam que a culpa está no sistema escolar, que é inadequado ao atendimento desse alunado; outros culpam os professores pela forma de trabalho incoerente com a clientela atendida; enquanto outros enfatizam as questões socioeconômicas das famílias como motivadoras do processo de evasão. Enfim, na verdade, não se pode encarar um único fator explicativo para esclarecer a saída ou a permanência do aluno na escola, cada um desses fatores serve apenas para explicar parte do problema.

Quando inserimos à problemática a questão da educação inclusiva, não podemos deixar de adicionar as condições inadequadas dos edifícios escolares e da estrutura urbana de acesso à escola na extensa lista de causas da evasão. Segundo os dados do Censo Escolar de 2015, somente 26% das instituições de educação básica no Brasil são acessíveis. Em 2010, esse número era de 14%. O aumento de 10% em cinco anos pode ser considerado tímido, uma vez que o Decreto Federal 5.296, que institui a obrigatoriedade de acessibilidade em edifícios públicos e de uso coletivo, foi promulgado há 12 anos.

Escolas inclusivas: ambientes que desafiam

Segundo o arquiteto e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcelo Pinto Guimarães, os ambientes ou desafiam ou intimidam. A diferença está na capacidade do indivíduo em decidir se a situação lhe é favorável ou não para enfrentar as barreiras arquitetônicas e em lidar com as consequências psicossociais dessa escolha. Em um espaço desafiador, a pessoa se sente estimulada a utilizá-lo e a adaptar-se às condicionantes e ao contexto do lugar. Já ambientes intimidadores não oferecem igualdade de oportunidades e fazem com que pessoas com deficiência se sintam estigmatizadas.

Quando não encontram condições para executar atividades cotidianas em conjunto com todos, pessoas com determinadas características são segregadas. Por isso, realizar atividades no mesmo contexto social que todos é um fator de grande peso para a aceitação de indivíduos em um grupo. Para Edward Steinfeld, diretor do Centro de Design Inclusivo e Acesso Ambiental da Universidade de Buffalo, de Nova Iorque, quando o ambiente nivela as oportunidades, o foco deixa de ser a deficiência da pessoa e a interação social passa a acontecer em uma atmosfera de normalidade, eliminando-se o estigma.

Desse modo, unidades de ensino que possuem estrutura arquitetônica acessível e uma postura positiva quanto à inclusão de todas as pessoas têm maior chance de cumprir seu papel de formar cidadãos conscientes. Além disso, esses edifícios apresentam-se como fortes elementos capazes de comunicar princípios e conceitos, pois são a representação concreta das ideias de uma sociedade para todos. Escolas inclusivas, portanto, oferecem ambientes com oportunidades iguais de uso, provando que a inclusão é uma realidade prática e reafirmando através da linguagem do objeto arquitetônico a importância dos valores de uma sociedade mais justa.

Precariedade arquitetônica e evasão escolar

A motivação em estar na escola possui papel fundamental na prevenção à evasão, visto que estimula o engajamento nas atividades cotidianas. Nesse sentido, a precariedade da estrutura arquitetônica de muitas unidades acaba por contribuir de forma negativa aos objetivos educacionais, porque desestimula estudantes a frequentar as aulas. Afinal, quem gosta de estar em um lugar pouco estimulante e que reforça, por meio de sua linguagem funcional e visual, valores contrários àqueles que gestores e professores se esforçam para comunicar em sala de aula?

Além disso, será que os pais de alunos com deficiência – e as próprias crianças e jovens – conseguirão suportar o grande esforço de se deslocar por cidades e bairros inacessíveis para permanecer em instituições de ensino onde não terão igualdade de oportunidades e de direitos em relação às pessoas sem deficiência aparente? Será que não estamos, através de estruturas arquitetônicas escolares inadequadas e muitas vezes sucateadas, perpetuando um modelo de ensino que traduz os valores de uma sociedade indiferente, preconceituosa e segregada, apesar dos esforços de vários setores para concretizar mudanças?

A acessibilidade ambiental é condição imperativa para que pessoas com deficiência possam mover-se pela cidade e frequentar as aulas. Por isso, sua existência nas escolas é de suma importância para a implantação e manutenção de processos de educação inclusiva. Espaços que apresentam características inclusivas para o uso são um elemento de incentivo para a permanência e consequente diminuição da evasão escolar. E não somente para estudantes com deficiência, afinal, a inclusão deve contemplar a todos, independentemente de suas particularidades, habilidades ou condição física.

 

Angélica Picceli é mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em design de ambientes e cultura pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix. É pesquisadora voluntária do Laboratório ADAPTSE, que atua na área de design universal e arquitetura inclusiva.

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