O Caso da Agência Europeia – Odense, Dinamarca

Introdução

Desde 1996, a Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação para Necessidades Especiais tem desempenhado um relevante papel na busca de avanços na área da educação inclusiva no continente europeu. Fazem parte da Agência 28 países, com realidades sócio-culturais e econômicas muito heterogêneas. Apesar dessa diversidade, a Agência conseguiu estabelecer um consenso sobre princípios-chave para a prática de uma educação que acolha as diferenças entre os estudantes e garanta o direito de acesso à educação. Além disso, desenvolve dezenas de projetos voltados à melhoria de áreas estratégicas como formação de educadores, prevenção na infância e diversidade multicultural. Entre seus desafios, merecem destaque a preservação de uma proposta de colaboração entre os países membros e a criação de iniciativas que atendam às particularidades regionais em um continente tão diverso.

Uma trajetória que ilustra mudanças na educação especial europeia

“Eu acho que você deve ficar com uma classe que nós temos para crianças com problemas de leitura e escrita”. Essa foi a orientação recebida por Per Ch Gunnvall em seu primeiro trabalho como professor, logo após ter se formado, em 1970, na Suécia. Naquela época, as crianças com dificuldades de aprendizagem eram encaminhadas para classes especiais, totalmente segregadas das turmas regulares. Per sentiu-se surpreso e despreparado, tendo em vista que toda sua formação teve como foco o ensino regular.  Por outro lado, ficou fascinado com o desafio. Tratava-se de uma turma pequena, com cerca de 15 estudantes, com a qual trabalhou por 3 anos.

Assim começou a trajetória de Per no campo da educação especial.  Alguns anos mais tarde, envolveu-se com o Conselho Nacional de Educação e com o Ministério da Educação da Suécia. Seu papel era planejar a construção e a reconstrução de escolas, tendo em vista o início de um processo de mudança que visava tornar a rede pública de ensino acessível para todas as crianças. Essa atividade acabou culminando com a aproximação de Per ao campo da tecnologia da informação:

“… porque foi uma decisão do Parlamento que todas as escolas deveriam ser equipadas com computadores. Eu fui responsável por escrever o primeiro currículo de aprendizagem por computador – e eu não sabia o que colocar ali. Os professores diziam que computadores eram muito complicados para crianças com deficiência, não havendo chance para elas aprenderem.”

Em 1991, Per iniciou uma nova etapa de sua carreira ao ser contratado pela Agência Nacional de Educação Especial. Seu trabalho tinha como foco o desenvolvimento de programas voltados ao atendimento das crianças com alguma deficiência, dentro do sistema educacional regular. Sua responsabilidade envolvia a criação de materiais didáticos que pudessem ser usados por todos os alunos:

“… porque se você fizer um material separado para crianças que tenham algum tipo de deficiência, comparado ao das outras crianças, então você as segrega. Então eu disse ‘não, vamos utilizar o mesmo livro, fazer uma versão mais fácil de ler, fazer versões digitais para que aqueles que não podem utilizar as mãos nas páginas tenham a chance de ler o mesmo livro’. Você pode ouvir o texto, você pode ler em tamanho maior, todas as possibilidades foram pensadas”. 

Em fevereiro de 2011, Per assume o cargo de presidente da Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação para Necessidades Especiais.

A Agência Europeia

A Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação para Necessidades Especiais é uma organização independente, estabelecida pelos seus países membros para agir como uma plataforma de colaboração no campo da educação de estudantes com necessidades educacionais específicas. É mantida pelos Ministérios da Educação desses países e apoiada pela União Europeia. Seus programas visam facilitar a coleta, o processamento e a transferência de informações, de forma a oferecer aos países membros a oportunidade de aprender uns com os outros. Fazem parte da Agência os seguintes países:

Alemanha Grécia Polônia Áustria Holanda Portugal Bélgica Hungria Reino Unido (Escócia) Chipre Irlanda Reino Unido (Inglaterra) Dinamarca Islândia Reino Unido (Irlanda do Norte) Eslováquia Itália Reino Unido (País de Gales) Eslovênia Letônia República Checa Espanha Lituânia Suécia Estônia Luxemburgo Suíça Finlândia Malta França Noruega

A Agência foi fundada em 1996 a partir de um contexto de crescente colaboração entre vários países europeus no que diz respeito à educação especial. Esse panorama contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento do tema no continente. Ao mesmo tempo, demonstrou que existia a necessidade de uma estrutura mais permanente para uma colaboração pan-europeia. Conforme comenta Per:

“É preciso olhar para o histórico da Agência, que começou em 1996 e que foi a continuação de um projeto chamado Hélios, também da União Europeia, em que as pessoas pensaram que precisavam cooperar ainda mais através das fronteiras da Europa.”

Os principais públicos-alvo da Agência são gestores públicos, especialistas e profissionais que influenciam as políticas e as práticas no campo da educação para necessidades específicas. Esses públicos podem recorrer à Agência como um centro de conhecimento europeu que facilita o processo de aprendizagem por meio de diferentes formas de troca de informação e experiência.

As informações produzidas pela Agência são distribuídas por meio de relatórios, seminários, conferências, eventos e pelo website da organização.

Intenções e objetivos

A proposta da Agência é aprimorar políticas e práticas educacionais para estudantes com necessidades específicas. Esta intenção leva em conta questões como igualdade de oportunidades, acessibilidade, educação inclusiva e a promoção de uma educação de qualidade, reconhecendo que existem diferenças nos contextos de cada país. A partir desse pressuposto, seus objetivos estratégicos são:

  • Promover qualidade no campo da educação para necessidades específicas por meio da manutenção de uma estrutura de longo prazo para uma extensa colaboração europeia;
  • Oferecer uma reflexão confiável sobre a realidade da educação para necessidades específicas na Europa por meio de informações atuais que possam ser relacionadas com contextos individuais de cada país;
  • Identificar fatores-chave que dão suporte ou impedem experiências positivas;
  • Facilitar trocas efetivas de conhecimento e experiências entre os países membros;
  • Facilitar o acesso de gestores públicos e outros profissionais a informações relevantes por meio da oferta de mecanismos e serviços que permitem o compartilhamento de informações e o contato entre diferentes usuários.

 

De acordo com Per, o objetivo principal da Agência é:

“… descobrir como desenvolver estas circunstâncias em nível político, alterando leis e regulamentos, e também em nível prático, pensando como os professores estão trabalhando com as crianças na sala de aula.”

A Agência é comprometida com a promoção dos princípios de igualdade de oportunidades em termos de acesso genuíno a experiências de aprendizagem que respeitem diferenças individuais e garantam uma educação de qualidade focada nas competências pessoais de cada estudante.

Os países membros da Agência identificam temas de alta prioridade e dedicam especial atenção à forma com que as políticas educacionais são implementadas. Medidas inovadoras, pesquisa e programas de suporte à União Europeia representam outros pontos centrais. Tais aspectos são sempre tratados visando promover um conceito abrangente de “educação para necessidades específicas”, a partir de uma perspectiva de alta qualidade na educação para todos.

Estrutura Organizacional

A Agência é, essencialmente, uma rede de representantes dos países membros e experts nomeados pelos ministérios da educação desses países. A figura abaixo ilustra sua estrutura organizacional:

Conselho de Representantes Um membro de cada país membro, nomeado pelo Ministério da Educação. As diretrizes básicas para a operação da agência são determinadas por esse conselho. Conselho Gestor O Presidente e cinco membros eleitos do Conselho de Representantes formam o Conselho Gestor, cuja tarefa é assegurar que o trabalho de todos os organismos da Agência sejam eficazes e eficientes. Equipe da Agência Europeia O Diretor e suas equipes: Secretaria, Implementação de Projetos e Ligações Europeias. Coordenadores Nacionais Em cada país, um coordenador nacional coloca os objetivos do Conselho de Representantes em prática, em cooperação com as equipes da Agência.

As pessoas que participam da estrutura da Agência representam dois níveis de envolvimento: político (Representantes Membros dos Conselhos) e operacional (Coordenadores Nacionais). Ambos compartilham um entendimento comum sobre questões-chave em educação para necessidades específicas e trabalham conjuntamente para oferecer perspectivas de avanço em seus países.

Os Membros do Conselho de Representantes são indicados por seus países e são responsáveis por garantir o atendimento dos interesses particulares de cada país nas atividades desenvolvidas pela Agência. Esse Conselho tem a tarefa de nomear o Conselho Gestor, delegado a tomar decisões detalhadas a respeito de inúmeras tarefas, visando a eficiência no trabalho da Agência. O presidente do Conselho de Representantes também atua como presidente do Conselho Gestor.

O Conselho Gestor trabalha diretamente com o Diretor da Agência, responsável pela gestão geral e pela operação diária da organização, seguindo as diretrizes estabelecidas pelos Conselhos.

No nível operacional, os Coordenadores Nacionais são responsáveis por contribuir com o desenvolvimento e a implementação dos programas e projetos da Agência. Eles são também apontados pelos países membros para atuarem como representantes dos interesses de suas nações, garantindo que suas demandas regionais sejam contempladas pelo trabalho da Agência.

A operação das atividades de rotina da Agência é realizada pelos membros da equipe sob a orientação do Diretor e com intensa colaboração dos coordenadores nacionais.

Cooperação com outras organizações

A Agência mantém relações de cooperação mútua com outros organismos europeus e com organizações internacionais que também atuam no campo da educação para necessidades específicas. Isso inclui as Comissões Europeias e seus organismos associados. A cooperação permite aproximar seus membros a relevantes organismos que podem prover informações e expertise complementares. Merece destaque o trabalho colaborativo estabelecido com Eurydice, Eurostat, UNESCO, Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) e European Centre for the Development of Vocational Training (CEDEFOP).

Em todos os aspectos do seu trabalho, a Agência leva em consideração declarações internacionais chave sobre educação inclusiva. Essas são consideradas um ponto focal para seu trabalho, indispensável para a produção de conhecimento.

Principais documentos internacionais e declarações que orientam a Agência

  • A Declaração de Salamanca
  • O Marco de Ação de Dakar Educação Para Todos: atendendo nossos Compromissos Coletivos
  • A Carta de Luxemburgo
  • A Declaração de Madri
  • As Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas
  • A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Essa última, publicada pelas Nações Unidas em 2006, representa uma referência essencial ao trabalho da Agência. Além disso, seus objetivos e sua missão estão alinhados com o trabalho da UNESCO em relação à garantia da educação para todos. A educação inclusiva é entendida como uma estratégia chave para assegurar o direito de todos à educação. De acordo com Cor Meijer, Diretor da Agência, o processo de ratificação da Convenção resultou em importantes impactos nos países signatários:

“Nós vemos que cerca de 60% dos países da EU ratificaram o protocolo opcional da convenção da ONU. Para alguns países, para sua própria surpresa, isto aconteceu muito rapidamente. França é um dos exemplos, assim como Alemanha e Bélgica. E eu mencionei estes países porque nestes países existem percentuais relativamente altos de estudantes em condições de segregação, e nestes países revoluções estão acontecendo agora porque, por um lado eles têm situações de segregação e, por outro lado, eles ratificaram a convenção da ONU.”

Dados dos países membros

A cada dois anos, a Agência promove uma compilação de dados sobre estudantes oficialmente identificados como tendo necessidades educacionais específicas. Esses dados referem-se aos países membros e são enviados pelos Ministérios da Educação de cada país. A tabela abaixo apresenta uma síntese do relatório publicado em 2010. É interessante notar a acentuada heterogeneidade entre os participantes.

* Necessidades Educacionais Especiais                                                                                       

Fonte: European Agency for Development in Special Needs Education (2010). Special Needs Education Country Data 2010, Odense, Denmark: European Agency for Development in Special Needs Education

Obs: Essa fonte de dados não contempla os membros Itália e Eslováquia

1 Não há dados estatísticos precisos sobre esse tópico no país.

2 Não há classes segregadas; os alunos com necessidades específicas ou estão em escolas especiais ou incluídos nas escolas regulares.

3 Os estudantes em classes segregadas são contabilizados como estudantes em escolas especiais.

4 Os estudantes em classes segregadas são contabilizados como estudantes em escolas regulares.

5 Em virtude da observação 4, esse percentual contempla casos de estudantes em classes especiais dentro de escolas regulares.

Os dados apresentados por esta pesquisa revelam uma série de informações interessantes. Primeiramente, notamos que o atual estágio dos países em relação à educação inclusiva é bastante diverso. Por um lado, temos países em que a maioria dos estudantes com deficiência já frequentam escolas inclusivas. É o caso da Islândia (95%), Malta (94%), Portugal (87%), Noruega (85%) e Chipre (84%). Essas realidades contrastam com países em que a maioria desses estudantes ainda estudam em escolas especiais. Fazem parte desse grupo Bélgica (de língua francesa) (99%), Alemanha (83%) e Letônia (70%).

Outro importante fator de diversidade entre os países membros da Agência é o tamanho de suas populações de estudantes. Observamos países com mais de 8 milhões de estudantes (França, Alemanha e Reino Unido), convivendo com outras nações em que essa população é inferior a 100 mil estudantes (Islândia, Malta, Luxemburgo e República Checa). Essa diversidade é sinalizada pela citação abaixo, presente no relatório de 2010:

“… os países continuam a usar abordagens muito diferentes na organização das respostas para os alunos com NEE. É possível identificar sistemas orientados para a plena inclusão em escolas regulares, sistemas que envolvem um ‘contínuo de respostas’ a necessidades diversas e sistemas separados, claramente divididos entre sistema regular e sistema especial. É, no entanto, também possível observar que as concepções, políticas e práticas em educação inclusiva estão em constante mudança em todos os países.”

Princípios-chave

Desde 2003, a Agência elabora um relatório contendo recomendações sobre princípios-chave necessários para a promoção da qualidade na educação inclusiva. Essa iniciativa contempla duas versões: a primeira é direcionada a gestores públicos responsáveis pela criação e implementação de políticas referentes à educação inclusiva; a segunda tem como público-alvo profissionais que atuam diretamente no atendimento de estudantes com necessidades educacionais específicas. Segue abaixo uma síntese dos princípios considerados em cada um desses documentos:

Princípios-chave para políticas de educação inclusiva

Esse documento visa apresentar recomendações tanto para decisores das políticas educativas gerais como para os da educação especial. Seu conteúdo foi estruturado a partir de elementos que parecem ser eficazes no apoio à inclusão de estudantes com diferentes tipos de necessidades educacionais. Os princípios abaixo apresentados reconhecem que a educação de qualidade para os alunos com necessidades específicas nas escolas regulares significa educação de qualidade para todos.

  • Alargar a participação para aumentar oportunidades educativas para todos os alunos: a meta da educação inclusiva é alargar o acesso à educação, promover a plena participação e dar oportunidade aos alunos, vulneráveis à exclusão, de realizarem o seu potencial.
  • Educação e formação sobre educação inclusiva para todos os professores: para trabalhar eficazmente em contextos inclusivos, os professores precisam ter valores e atitudes apropriadas, competências, conhecimentos e compreensão.
  • Cultura organizacional e filosofia que promova a inclusão: no ambiente da escola, ou de outra organização educacional, é crucial a existência de uma cultura e de uma filosofia aceitas por todos, baseadas em atitudes positivas, que acolham a diversidade de alunos nas salas de aula e respondam às diversas necessidades em matéria de educação.
  • Estruturas de apoio organizadas de forma a promover a inclusão: as estruturas de apoio à educação inclusiva são diversas e envolvem, muitas vezes, profissionais, abordagens e métodos diferentes. Essas estruturas podem funcionar como um apoio ou como uma barreira à inclusão.
  • Sistemas flexíveis de recursos que promovam a inclusão: as políticas de financiamento e as estruturas são um dos fatores mais importantes para inclusão. A ausência ou o acesso limitado a recursos e respostas podem prejudicar a inclusão e a igualdade de oportunidades dos alunos com necessidades educacionais específicas.
  • Políticas que promovem a inclusão: a promoção da qualidade na educação inclusiva requer uma política claramente definida. O objetivo da escola para todos deve ser fomentado por meio de políticas educacionais e apoiado por liderança e ética, assim como por práticas dos professores.
  • Legislação que promove a inclusão: para que possa ter impacto sobre a educação inclusiva, a legislação deve estabelecer claramente a inclusão como uma meta. Neste sentido, a legislação de todos os setores públicos deve conduzir à prestação de serviços e à melhoria dos processos que favoreçam a inclusão educativa.

Todos os países da Europa reconhecem que a educação inclusiva – ou Uma Escola para Todos, conforme referido na Carta do Luxemburgo (1996) – é um pilar importante para assegurar a igualdade de oportunidades a alunos com diferentes tipos de necessidades específicas, na educação, na formação profissional, no emprego e na vida social. Na preparação deste documento foi utilizada a afirmação mais relevante da primeira edição sobre Princípios-Chave: “a educação inclusiva requer sistemas educativos flexíveis que respondam às diversas e, muitas vezes, complexas necessidades individuais dos alunos” (p. 4).

Princípios-chave para a prática da educação inclusiva

Esse documento aborda princípios que parecem ser cruciais para um atendimento de qualidade a estudantes com diferentes necessidades educacionais, em ambientes comuns.

De acordo com as Orientações Políticas sobre Inclusão na Educação, de 2009, da UNESCO, é cada vez mais reconhecido que uma cultura inclusiva pode contribuir significativamente para a qualidade da educação de todos os alunos. É da maior importância o papel crescente da educação inclusiva no desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática, que valoriza a diversidade. Tal desenvolvimento envolve princípios como a igualdade de oportunidades, a não discriminação e o acesso universal e, em particular, deve ter em conta as necessidades individuais dos alunos em risco de exclusão social e de marginalização.

Ainda que cada país apresente abordagens próprias, relacionadas ao seu contexto sócio-cultural, foi possível identificar elementos comuns na prática de uma educação que responda às necessidades de todos os alunos. Embora reconhecendo o papel fundamental do professor e dos diretores das escolas, os princípios-chave partem de uma perspectiva centrada no aluno, colocando as crianças e os jovens no centro do planeamento através da sua presença (acesso e assiduidade), participação (em experiências de aprendizagem de qualidade) e realização (resultados através do envolvimento no processo de aprendizagem). Este modelo, apresentado em Guidelines for Inclusion (2005) da UNESCO, que reúne elementos do trabalho da Agência, sublinha que a presença em qualquer contexto educativo, só por si, não é suficiente. Os alunos precisam ser participantes ativos da sua própria avaliação e aprendizagem e totalmente envolvidos em todas as decisões sobre o seu futuro.

Seguem abaixo os princípios resultantes de evidências que emergiram ao longo do trabalho da Agência. É importante salientar que esses princípios aplicam-se a alunos com ou sem deficiência, uma vez que tratam da qualidade da educação para todos os alunos.

  • Ouvir a voz dos alunos: a voz dos alunos e das famílias ou seus representantes deve ser ouvida, especialmente quando as decisões afetam suas vidas.
  • Participação ativa dos alunos: todos os alunos têm o direito a participar ativamente na vida da escola e da comunidade.
  • Atitudes positivas dos professores: todos os professores devem ter atitudes positivas em relação a todos os alunos e disponibilidade para trabalhar em colaboração com os colegas.
  • Competências dos professores: todos os professores devem ter competências para responder às diversas necessidades de todos os alunos.
  • Visão da direção da escola: os diretores das escolas devem valorizar a diversidade entre os funcionários, assim como entre os alunos, incentivar a inovação.
  • Serviços interdisciplinares coerentes: cada escola deve ter acesso ao apoio dos serviços interdisciplinares da comunidade.

Projetos

A Agência desenvolve dezenas de projetos orientados para atender as demandas prioritárias apresentadas por seus países membros. Contemplam uma ampla variedade de assuntos relacionados à educação inclusiva, tais como: políticas públicas, formação de educadores, vocação educacional e treinamento, prevenção na infância, diversidade multicultural, indicadores para a educação inclusiva e boas práticas. Será apresentado abaixo um resumo de um dos projetos indicados pela Agência como prioritários.

Formação de Professores para a Inclusão na Europa – Desafios e Oportunidades

Esse projeto foi criado em 2009 com o intuito de endereçar uma importante demanda identificada pelos representantes dos países membros da agência: investigar como são preparados todos os professores, via formação inicial, para serem “inclusivos”. Participaram da iniciativa especialistas de 25 países. Esse grupo envolveu decisores políticos, educadores, diretores de escola, representantes de organizações de voluntários, alunos e pais.

O projeto teve como objeto de estudo professores de diferentes disciplinas, especializações e faixas etárias. Seus principais produtos foram: (a) um perfil de professores inclusivos; (b) um relatório síntese sobre a formação de professores para a inclusão; (c) recomendações para a formação de professores; (d) recomendações para uma política mais abrangente.

Perfil de professores inclusivos

O perfil apresenta um quadro de competências necessárias para programas de formação de professores de diferentes disciplinas, segmentos de ensino e faixas etárias. Para cada área de competência são estabelecidas atitudes, crenças, conhecimento e capacidades. O perfil é definido de forma ampla para permitir que os países possam adaptá-lo aos seus próprios contextos. Segundo os apontamentos feitos pelos países participantes, as competências-chave para o desenvolvimento de práticas inclusivas são:

  • Refletir sobre a própria aprendizagem e procura contínua de informações para superar desafios e apoiar práticas inovadoras;
  • Estar atento à saúde e ao bem-estar dos alunos, assumir a responsabilidade por assegurar o apoio a todas as necessidades de aprendizagem, garantindo um ambiente adequado;
  • Colaborar com outros profissionais e pais para avaliar e planejar as respostas às diversas necessidades dos alunos, respeitando a igualdade e os direitos humanos;
  • Usar vários métodos de ensino “inclusivos”, adequados aos objetivos de aprendizagem, à idade e às capacidades dos alunos;
  • Aprender línguas em contextos multilíngues e valorizar a diversidade cultural como um recurso.

O desenvolvimento de tais competências deve ser visto como fundamental não só na formação inicial de professores, mas também como suporte à aprendizagem ao longo da vida. Moran 1 sugere que é somente através da participação e da exploração do significado mais amplo de competências que os formadores de professores e os alunos “tomam consciência das suas próprias identidades e valores e do seu papel crucial na preparação e formação dos futuros cidadãos para uma sociedade democrática” (p. 8).

Relatório síntese

O relatório foi criado a partir de um questionário enviado aos representantes dos países membros. Esse documento abordava informações sobre a formação de professores e princípios da política nacional relacionada a esse tema. Além disso, o relatório visava disseminar informações sobre práticas inovadoras e apresentar recomendações para avanços na área.

Recomendações para a formação de professores:

  • Devem ser encontradas estratégias efetivas para melhorar o recrutamento dos candidatos a professores de modo a aumentar o número de profissionais de diferentes origens, incluindo professores com deficiência.
  • Deve ser realizada investigação sobre a eficácia dos diferentes percursos de ensino e sobre a organização, o conteúdo e a pedagogia que melhor desenvolvam as competências dos professores para responderem às diversas necessidades de todos os alunos.
  • A “profissão” de formador de professores necessita de progressos, com melhorias no recrutamento, acesso e desenvolvimento profissional contínuo.
  • Escolas e instituições de formação de professores devem trabalhar em conjunto para garantir bons modelos de prática nas escolas e outros locais destinados ao ensino.

Recomendações para uma política mais abrangente:

  • É necessária uma reforma mais ampla e sistêmica para assegurar o desenvolvimento das escolas inclusivas e apoiar o progresso da formação de professores para a inclusão.
  • A reforma deve incluir o esclarecimento da linguagem em torno da inclusão e da diversidade.
  • Devem ser introduzidas políticas para desenvolver um “contínuo de apoio” que permita aos professores responder à diversidade de necessidades dos alunos.

No lançamento do Relatório Mundial sobre a Deficiência, da Organização Mundial da Saúde (junho de 2011), foi realçada a importância dos professores:

“Podemos debater a inclusão em vários níveis: conceitual, político, normativo ou de investigação, mas é o professor que tem de lidar com a diversidade de alunos na sala de aula! É o professor que implementa os princípios da educação inclusiva. Se o professor não é capaz de ensinar diante da diversidade de alunos que existe na sala de aula, todas as boas intenções da inclusão deixam de ter valor. Neste sentido, o desafio do futuro é desenvolver currículos e formar os professores para gerir a diversidade”.

Pirjo Koivula, representante da Finlândia na Agência Europeia, comenta:

“Na educação do professor, precisamos não somente de uma disciplina, não somente de algumas semanas de estudo sobre o que seria uma educação para necessidades especiais. Eles precisam de toda a ideia da educação inclusiva em tudo o que eles estão fazendo, em todo o conteúdo que eles estudam em seu curso de magistério.”

Nas recentes publicações da Agência “Implementação do Processo de Avaliação” (2009) e “Formação de Professores para a Inclusão na Europa” (2011) é afirmado que os professores precisam de tempo para a reflexão profissional e que tanto os professores como os alunos devem desenvolver um pensamento positivo, entendendo os desafios e os erros como oportunidades de aprendizagem.

Desafios

Após 17 anos de existência, a Agência observa um conjunto sólido de resultados decorrentes de sua atuação. Per e sua equipe mostram-se comprometidos com a implementação de projetos voltados a diferentes áreas, como: políticas públicas, formação de educadores, vocação educacional, prevenção na infância e diversidade multicultural. O momento atual da Agência é também permeado por importantes desafios.

Em primeiro lugar, o continente europeu enfrenta uma grave crise financeira que ainda ameaça seriamente a prosperidade econômica de muitos de seus países. Consequentemente, a Agência convive com o risco de eventuais cortes nos recursos financeiros destinados aos seus programas. De acordo com Cor, existem diversos argumentos que têm sido utilizados para convencer as fontes de recursos a prosseguirem com seus investimentos. O mais efetivo diz respeito à percepção de que as intervenções introduzidas nas escolas com a finalidade de beneficiar estudantes com deficiência funcionam também para os demais estudantes. Ou seja, todos os alunos saem ganhando com as transformações promovidas nas redes de ensino. Cor exemplifica com três tipos de intervenções:

  • Agrupamentos heterogêneos: o aumento da diversidade resultante da participação de estudantes com deficiência na sala de aula regular desencadeia uma série de ganhos não só para realizações acadêmicas, mas também para os relacionamentos sociais e os vínculos afetivos.
  • Ajuda mútua entre alunos: a criação de pequenos grupos com alunos em diferentes níveis de conhecimento, onde aqueles que apresentam maior facilidade para um determinado conteúdo são orientados a compartilhar habilidades de seu conhecimento com o restante do grupo, é uma estratégia que se mostra enriquecedora para todos os participantes.
  • Co-ensino ou ensino em equipe: vários dos países membros da Agência adotam a estratégia de planejar e executar as aulas com mais de um educador na mesma turma. O foco inicialmente eram os estudantes com deficiência, mas já há evidências de que os demais alunos foram também beneficiados por esta prática.

Outro importante desafio da Agência decorre do fato de que seus membros são muito diversos em termos de políticas, práticas e conceitos. Conforme explicitamos anteriormente, os dados referentes à realidade de cada país revela uma profunda diversificação de contextos e culturas com as quais Per e sua equipe precisam dialogar, de forma a identificar oportunidades de colaboração e desenvolvimento no campo da educação inclusiva. Esse cenário torna-se ainda mais complexo diante da autonomia exercida por cada país na área da educação. Isso significa que a Agência convive com certas limitações, uma vez que não faz parte de seu papel estabelecer regulamentações, mas sim recomendações. Por essa razão, instrumentos internacionais como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) são de grande importância para o trabalho da Agência, pois representam políticas acordadas pelos países signatários.

Por fim, cabe ressaltar o desafio resultante da cultura de competição presente em alguns países. São casos em que as escolas, ao tentarem atender às expectativas dos pais e da sociedade, buscam os mais altos rendimentos de desempenho de seus alunos, normalmente medido por meio de competências relacionadas a leitura, escrita e matemática.  Esses resultados são, inclusive, publicamente divulgados a partir de uma lógica de ranking. A Agência tem tentado identificar escolas que combinam a busca por rendimento com o compromisso em atender estudantes com deficiência dentro da sala de aula regular:

“Um trabalho que realizamos é tentar procurar se existem escolas que combinem os dois e nós temos visto que a escola que é muito habilitada para lidar com crianças com deficiência é normalmente também uma escola com um nível de rendimento muito acima da média. Então, se as escolas fizerem um esforço para fazer tudo o que podem fazer para apoiar crianças vulneráveis, elas normalmente pontuam mais alto também em termos de rendimento, mas, é claro que você deve corrigir os indicadores de rendimento para o tipo de crianças que você tem na sua escola. Se você simplesmente comparar rendimentos, e não os corrigir para os tipos de aprendizes que você tiver no princípio, você terá o que chamamos de pontuações editadas não válidas e você precisa ter pontuações editadas válidas para serem comparadas.”

Esse risco da competição aplica-se também aos países membros da Agência. De acordo com Cor, a Agência não tem o papel de comparar países. Sua função é criar oportunidades de aprendizado para criadores de políticas, experts e educadores:

“É uma plataforma onde podemos compartilhar problemas, desafios, num jeito aberto e honesto, a fim de aprender com outros países da Europa… Se os países estiverem em uma competição pesada em termos de estatísticas, eles podem querer melhorar as estatísticas e não os mecanismos utilizados…”

Em suma, percebe-se que o desenvolvimento de uma abordagem verdadeiramente sistêmica em relação à educação inclusiva é ainda um desafio para todos os países membros da Agência Europeia.

Notas

Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do Projeto Diversa têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.

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1 Moran, A. (2009) Can a competence or standards model facilitate na inclusive approach to teacher education? International Journal of Inclusive Education, 13 (1), 45-61.

Sobre o autor

Rodrigo Hübner Mendes, superintendente do Instituto Rodrigo Mendes, mestre no tema “Gestão da Diversidade” pela Fundação Getulio Vargas-SP, onde atua como professor.

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