Escola indígena resgata tradição em aulas inclusivas de geografia

Meu nome é Luiz Weymilawa Surui, pertenço ao clã G̃apg̃ir, do povo indígena Paiter Surui. Nasci e cresci na aldeia G̃apg̃ir, situada a 60 quilômetros do município de Cacoal (RO). Sou professor das disciplinas de história, geografia e filosofia na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e Médio José do Carmo Santana.

No atual contexto, o mundo Paiter está em ameaça. Sofremos pressão de madeireiros e garimpeiros que desejam explorar de maneira ilegal as riquezas naturais de nossa terra. Por isso, decidi realizar o projeto Lap G̃up (Nossa casa, nosso lar) para fortalecer a identidade indígena dos estudantes, não como sujeitos à parte da história nacional e mundial, mas como povos que fazem parte dos processos históricos. O motivo principal que me levou a realizar esse trabalho foi superar preconceitos e buscar novas alternativas de sobrevivência e preservação do etnoconhecimento do povo Paiter.

As atividades foram realizadas com 32 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Dois garotos – Oykoeter Mateus Surui e Oykaanoh Talisson Surui –, ambos do 8° ano, têm deficiência auditiva. Sempre pensei muito na questão da inclusão educacional de Mateus e Talisson em minhas aulas. Já havia observado que eles não conseguiam acompanhar a turma e como não tínhamos um profissional especializado para esses casos, nunca soube como tratar a situação, embora conseguisse me comunicar com eles por meio de alguns sinais. Na aldeia, não temos ainda um alfabeto manual oficial. Cada família cria uma linguagem com seus filhos. Passei, então, a observá-los no dia a dia. Percebi que os dois eram muito sociáveis, estavam sempre dando risada e contando histórias por meio de gestos para seus colegas. Contei com esse entrosamento entre as crianças, que já estavam habituadas a muitos dos sinais usados pelos meninos, para melhorar nossa comunicação.

A cultura Paiter

Antes do contato, vivíamos como nômades. Construíamos uma casa tradicional e fazíamos a nossa roça. Depois de um ou dois anos, mudávamo-nos para outro local, sempre próximo à água. As construções eram feitas no estilo arquitetônico Tupi Mondé e eram grandes o suficiente para acolher todas as famílias da aldeia. Após o contato com o não indígena, contudo, passamos a viver na linha 14, uma área rural de Rondônia. Os madeireiros construíram casas para nós e deixamos de morar na habitação típica. Hoje, apenas os mais velhos dominam as técnicas de construção da casa tradicional Paiter e, com isso, um traço importante de nosso povo está sendo esquecido.

A disciplina de geografia foi trabalhada na escola indígena da mesma forma que eram trabalhadas nas instituições dos não indígenas por muitos anos. Penso que isso se deu porque os professores não eram indígenas e não havia material pedagógico especifico sobre nossa cultura. Considerando a necessidade de buscar valorizar a cultura Paiter Surui, que sofreu grandes perdas a partir do contato com a sociedade não indígena, esse projeto procurou retomar a tradição da construção da casa tradicional.

Como povo indígena nosso etnoconhecimento não está fragmentado e todos os conhecimentos estão interligados. Embora a geografia seja a disciplina principal do projeto, também trabalhei como tema transversal a pluralidade cultural, tratando de temas como identidade, língua materna e culturas material e imaterial Paiter. “Nossa casa, nosso lar” foi executado durante três meses, em várias etapas, entre elas:

• Estudo de conceitos;
• Análise de mapas da aldeia;
• Reconhecimento de vínculos ancestrais;
• Palestra com os sabedores sobre arquitetura Paiter e os tipos de moradia;
• Aulas práticas na floresta para pesquisa de materiais;
• Construção de uma maquete da Lap G̃up;
• Produção de textos e desenhos;
• Apresentação final dos trabalhos com participação dos mais velhos da aldeia.

Criando novas estratégias

Durante o desenvolvimento do projeto, observei bastante as singularidades dos dois estudantes surdos. Buscava por seus pontos fortes, a partir dos quais eu poderia estimulá-los e, assim, inclui-los nas atividades propostas. Nas tarefas realizadas em sala de aula, eles sofriam bastante para acompanhar o resto da turma. Mateus desenhou, mas não escreveu. Já Talisson disse que não conseguia desenhar. Fui, então, investindo nas outras etapas, aquelas nas quais eles participavam executando as tarefas em tempo hábil. Notei que eram muito habilidosos nas aulas fora da sala, como nas idas à floresta para coleta de materiais.

Devido à ausência dos trabalhos escritos e à dificuldade de se comunicar, estava convencido de que os dois alunos não conseguiriam realizar a apresentação final. Resolvi fazer uma última tentativa, porque, apesar das barreiras, eles participaram assiduamente do projeto. Chamei os dois garotos para um ensaio antes da etapa final e para minha surpresa eles disseram que gostariam de se apresentar. Talisson confessou que havia feito o desenho solicitado em casa, mas não o entregou por medo de mostra-lo em frente à turma. Isso me sensibilizou bastante. Usei, então, outra metodologia com eles: construímos os textos juntos e, durante a apresentação, os colegas os auxiliaram lendo as informações enquanto os desenhos eram projetados.

Avaliação do projeto

Em um primeiro momento, pensei que avaliaria Talisson e Mateus de forma diferente. Contudo, eles acabaram cumprindo os mesmos objetivos que os outros estudantes e todos foram avaliados por igual. Tenho que ressaltar que a ajuda das crianças foi fundamental; despidas de preconceitos, elas se integram totalmente com os alunos com deficiência.

Tenho muitas dificuldades como professor de escola indígena. No geral, não temos diretor, zelador, merendeira, secretaria, telefone etc. O docente acaba fazendo um pouco de cada função. O que mais lamento é a falta de recursos, como materiais específicos e a internet, que poderia ser uma grande ferramenta de pesquisa.

Apesar das dificuldades, gostei muito dessa experiência. Ela me ajudou a ser mais flexível e a buscar novas alternativas para esses alunos. Não me refiro somente a Mateus e Talisson, mas a todos, da educação infantil ao ensino médio. É preciso buscar novas metodologias, pesquisar, experimentar, mas, acima de tudo, contar com muita sensibilidade.

Projeto vencedor do Prêmio Educador Nota 10 de 2016.

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