“A rima e a poesia de cordel são encantadoras”

Diretor de escola do município de Poá promove valorização da diversidade e da cultura nordestina a partir da literatura de cordel

Desde os tempos de infância em Piquet Carneiro, município do sertão do Ceará, Samuel Barboza utiliza a literatura nordestina para se comunicar. O cordel sempre foi a principal forma de expressão dos pais. Com a convivência familiar, ele aprendeu que toda história pode ser contada, ter rima e virar poesia.

 

Estudantes caracterizadas com roupas juninas dançam quadrilha em praça. Acima delas, diversas bandeirinhas de festa junina decoram o espaço. Fim da descrição.
Estudantes do projeto “Luar do Sertão” apresentam a quadrilha junina em praça de eventos de Poá. Créditos: Secretaria de Cultura de Poá.

Marca da cultura sertaneja, a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro em 2018. Popular e folclórica, consiste em grandes poemas narrativos recitados de forma normalmente melodiosa e cadenciada.

“A literatura de Cordel

Quero aqui apresentar

É uma herança herdada

Da cultura popular

Com a família Real

Veio lá de Portugal

Para a todos encantar!

 

 

Muito forte no Nordeste

Este tipo de leitura

Conta história de heróis

E também as travessuras

Dos trapaceiros do sertão

Seja mocinho ou vilão

Mas sempre tem aventuras

É chamado de cordel”*

Samuel se acostumou a ser poeta por vocação. Se inspirava nas histórias de Virgulino, Patativa do Assaré, dos cangaceiros e de Padre Cícero Romão. Para ele, a poesia cordelista representa uma forma simples de comunicação, que valoriza a oralidade e dá ao povo nordestino a chance de ser protagonista de sua própria história.

Aversão à Língua Portuguesa

Na escola quando aluno, contudo, ele tinha “aversão à Língua Portuguesa”. Era canhoto, mas foi obrigado a escrever com a mão direita e, por conta disso, nunca gostou de sua letra. Tinha dificuldade para produzir redações em prosa e via o universo educacional com grande desinteresse.

Apesar disso, sempre sonhou em construir uma educação de qualidade para todas e todos. Aos 22 anos e sem profissão, decidiu fazer o magistério. Se tornou professor polivalente e foi embora para São Paulo.

 

Livro de Samuel Barboza, "Cordel: que literatura é essa?" apoiado em um girassol sobre uma mesa com toalha decorativa floral vermelha. Ao lado, há um chapéu caipira de palha. A ilustração de capa do livro é um homem com três balões de pensamento: um com um livro, outro com chapéu de cangaceiro, e outro com um cacto. Fim da descrição.
Livro “Cordel: que literatura é essa?”, de Samuel Barboza, em exposição. Crédito: arquivo pessoal.

“(…) Continuei minha vida

Trabalhando com amor

Sei que erros cometemos

Só perfeito é o Senhor

Mas sei que é mesmo assim

Sempre o melhor de mim

Dei como um educador”.*

Poderosa ferramenta de ensino

Hoje, aos 45 anos, Samuel é diretor da EMEB Manoel da Silva Oliveira, localizada no município de Poá (SP). Ele não possui sala fixa, acredita que “é preciso estar junto dos estudantes” e utiliza a poesia de cordel como “poderosa ferramenta” de ensino e aprendizagem

Por conta de seu sotaque cearense, estudantes começaram a imitar o seu jeito de falar. Samuel decidiu então contar suas experiências no Sertão e apresentou para as turmas os seus primeiros cordéis. Quando deu por si, as alunas e os alunos estavam construindo os seus próprios poemas.

Para Samuel, as técnicas do cordel servem para que os estudantes possam expressar os seus conhecimentos de mundo de uma forma natural, longe de apenas decorar fórmulas ou conceitos para as provas.

É nato do ser humano gostar do que é diferente. A rima e a poesia são encantadoras e despertam interesse nas crianças.

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Luar do sertão

Por conta do interesse dos estudantes pela poesia de cordel, Samuel estruturou um projeto escolar de valorização da cultura nordestina que se utilizasse da tradição literária. Nasceu assim o “Luar do Sertão”.

O projeto surgiu com o intuito de promover práticas pedagógicas de valorização das diferenças e criação de uma cultura de pertencimento entre as alunas e os alunos, para estimular o protagonismo estudantil e o aprendizado para além da sala de aula.

O objetivo é resgatar a cultura nordestina por meio de danças e da literatura de cordel. As atividades são realizadas com as turmas de 5º anos do ensino fundamental e contam com a participação de toda a comunidade escolar. A cada ano do projeto um tema transversal é escolhido. A diversidade é o assunto da vez.

Com ações articuladas, como rodas de conversa, e explorando a intertextualidade, os estudantes pesquisam e estudam tradições literárias diferentes, como as de Patativa do Assaré e Cândido Portinari. Todo o aprendizado construído pelos estudantes é aproveitado em apresentações artísticas, como saraus e dança de quadrilha.

 

Estudantes realizam apresentação artística em Seminário sobre Literatura de Cordel na Academia de Letras dos Professores da Cidade de São Paulo. Créditos: Arquivo pessoal.

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Trabalho colaborativo

Todas as atividades propostas levam em consideração o trabalho colaborativo, envolvendo toda a comunidade escolar para proporcionar aprendizagem a todas e todos.

Samuel fez parte da formação DIVERSA presencial 2017 e desenvolveu um planejamento para proporcionar parceria entre os professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e da sala de aula. Dessa forma, os educadores conseguiram identificar barreiras ao aprendizado de estudantes público-alvo da educação especial.

De acordo com Samuel, o trabalho em conjunto possibilitou uma série de avanços educacionais aos estudantes. “O processo colaborativo é maravilhoso, todos se sentem seguros e atuantes. Na minha escola funcionou perfeitamente, mais do que imaginávamos”, avalia.

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“(…) Trabalhamos uns tempos juntos,

Fizemos revolução

Pois queríamos o melhor

Na área da Educação,

E os alunos envolver,

Estimulá-los aprender

Com a real inclusão”.*


* Trechos da autobiografia “Passos de Vitórias”, retirados do livro “Cordel: Que literatura é essa?” de Samuel Barboza.

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