Monitoramento da meta 4 do Plano nacional de educação (PNE): possíveis contribuições do IBGE

Considerando que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é um dos órgãos produtores de dados mais importantes do país, e reconhecendo a importância do Censo Demográfico para construção e aprimoramento de indicadores educacionais, principalmente devido à sua abrangência e representatividade por municípios, seria fundamental que em 2020 a coleta de dados populacionais possibilitasse o acompanhamento das metas do Plano nacional de educação (PNE), decretado pela Lei nº 13.005, de 2014. A necessidade desses dados se faz urgente em virtude da atual situação da educação brasileira, que, apesar dos avanços nos últimos anos, ainda possui alunos fora da escola e que não atingem o aprendizado adequado ao seu ano.

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Tratando especificamente da meta 4 do PNE, que diz que o Brasil deve universalizar o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado (AEE), na rede regular de ensino, a crianças e adolescentes de 4 a 17 anos público-alvo da educação especial (pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação) até 2024, uma das principais preocupações é a coleta fidedigna de dados sobre esse público, conforme destacado no artigo 4:

O poder público buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 a 17 anos com deficiência. […]

Estratégia 4.15. Promover, por iniciativa do Ministério da Educação (MEC), nos órgãos de pesquisa, demografia e estatística competentes, a obtenção de informação detalhada sobre o perfil das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação de 0 a 17 anos.

A coleta de dados no Censo 2010

No último Censo Demográfico (2010), a quantidade de pessoas com deficiência foi classificada pelo grau de severidade de acordo com a percepção dos próprios entrevistados sobre suas funcionalidades. As perguntas feitas aos entrevistados buscaram identificar as deficiências visual, auditiva e motora por graus de dificuldade, de acordo com a metodologia alinhada com as contribuições do Washington Group on Disability Statistics, constituído sob a Organização das Nações Unidas (ONU) para atender à necessidade urgente de medidas de populações com deficiência comparáveis a nível nacional.

No entanto, analisando os dados finais, nota-se que os percentuais encontrados divergem das estimativas internacionais. Uma causa provável é que não foi adotado de forma obrigatória na aplicação pelo agente o uso das perguntas de apoio constantes entre parênteses após as perguntas principais no questionário, o que ajudaria na avaliação correta do grau de dificuldade do respondente, o que agravou o índice de pessoas com deficiência pela margem de corte estipulada pelo IBGE. A correção dessa margem, como já realizada pelo IBGE, minimiza essa divergência, entretanto, não resolve o problema como um todo.

Além disso, o atual questionário do Censo Demográfico não abrange a totalidade do público-alvo da educação especial contemplado na meta 4 do PNE e apurado no Censo Escolar, pois não contabiliza as pessoas com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Pelos motivos citados acima, ainda não é possível determinar quantas crianças e adolescentes de 4 a 17 anos público-alvo da educação especial temos hoje no Brasil e, principalmente, quantas ainda estão fora da escola. Dessa forma, carecemos de dados e ferramentas que permitam análises e comparações para um monitoramento preciso da meta 4, conforme já antecipado neste artigo sobre os desafios e perspectivas para a inclusão escolar.

A aplicação do Censo 2020

A principal recomendação para a aplicação do próximo Censo seria a utilização do protocolo do Grupo de Washington de forma integral, ou seja, com a pergunta de apoio, para que a avaliação seja feita atentando para o uso de facilitadores, como óculos e lentes de contato, aparelhos de audição, bengalas e próteses. Dessa forma, a coleta de dados será mais fidedigna no que diz respeito à avaliação da dificuldade do respondente.

Seria também de extrema importância que fosse seguido o conceito de público-alvo da educação especial constante na meta 4 do Plano nacional de educação, de forma alinhada ao Censo Escolar, acrescentando perguntas que meçam pessoas com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Outras contribuições

Além disso, acreditamos que seria muito efetivo incluir a aferição desse segmento da população no questionário base da Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua (Pnad), observando o conceito de pessoa com deficiência norteado pelo modelo social e não médico, de acordo com a Convenção da ONU, criada em 2006, sobre os direitos das pessoas com deficiência, que também integra a Constituição Federal. Ou seja, a aferição desse público não deveria fazer parte apenas do Suplemento de Saúde, mas sim do volume que aborda questões demográficas, tendo uma periodicidade que permita a construção de uma série histórica anual.

Por fim, uma última reflexão seria a criação, durante a formação dos agentes censitários, de uma discussão específica sobre esse tema, para que esses profissionais conheçam o conceito de pessoa com deficiência que orienta toda a legislação pátria e que necessita de um entendimento mais específico, pois trata-se de uma questão relacional e não absoluta.

É sabido que os desafios para a garantia de uma educação inclusiva de qualidade para as crianças e os adolescentes do nosso país perpassam diversos e conflituosos contextos, não só educacionais, mas também políticos, sociais, culturais e econômicos. No entanto, o PNE tem papel importante nesse esforço, sendo essencial que as estratégias definidas por ele sejam passíveis de monitoramento, com indicadores precisos e, principalmente, quantificáveis. É o acompanhamento do cumprimento das metas que nos mostrarão os passos dados rumo ao direito à educação assegurado para todos e cada um.

 

Lailla Micas é jornalista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e está há nove anos no terceiro setor, atuando em gestão de projetos de educação. Faz parte da área de consultoria do Instituto Rodrigo Mendes

Luiz Henrique de Paula Conceição é mestre e graduado em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva no Instituto Rodrigo Mendes.

Vanessa Yumi Fujinaga Souto é coordenadora de projetos do movimento Todos Pela Educação, mestranda em gestão e políticas públicas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Possui oito anos de experiência no setor público, onde trabalhou como assistente e assessora nas Secretarias Municipais de Governo, Comunicação e de Educação de São Paulo.

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